Amanhã é dia do compositor. E claro que temos inúmeros exemplos de compositores incríveis pra citar, mas tem uma pessoa que me inspira e que está vivendo um momento que posso dizer que conecta música, memória e porque não fotografia? Afinal: o que fazemos quando o tempo age sobre quem amamos.
Quero falar de Milton Nascimento e seu filho. Eles seguiram juntos numa viagem. Não só de estrada, mas de alma. O tempo, esse escultor silencioso, vai esculpindo memórias, borrando cantos, apagando detalhes. E em muitos casos, a presença se torna ato de coragem.
No caso de Milton e Augusto, há uma história tocante: um homem que reconheceu a paternidade anos depois, e um filho que decidiu acompanhar, amar, compartilhar os gestos do cuidado em fases de fragilidade.
Milton foi diagnosticado com demência, e nesse cenário delicado, onde a memória falha e o presente exige mais, estar presente é compor. É compor afeto em cada gesto pequeno, um abraço, uma canção que ainda ecoa no peito, uma lembrança que resiste.
“Amigo é coisa pra se guardar / Debaixo de sete chaves / Dentro do coração…” Essa canção de Milton Nascimento, “Canção da América”, fala de vínculos profundos que guardamos no peito.
E talvez seja exatamente isso: pai e filho são, sim, amigos, companheiros de estrada, ecos do que se foi e promessa de cuidado.
Fico imaginando o quanto essa viagem deles foi um gesto simbólico, talvez uma despedida antecipada, talvez um reencontro de memórias antigas com a urgência do agora. E o filho decide cuidar do pai lúcido, enquanto ainda pode, com presença, paciência, as mãos estendidas para segurar o que resta.
Esse lugar é cheio de reverência. Porque “ser família” não é só compartilhar o que está forte. É estar disposto a compartilhar o que rui, que cansa, que tenta desaparecer. É construir lembranças visuais com os que amamos, enquanto ainda é possível ver.
No meu trabalho como fotógrafa, acredito que esse tipo de momento merece ser acolhido com sensibilidade. Quando um ensaio é feito com essa intenção, ele carrega muito mais que estética: ele carrega cuidado, memória, honra.
E se Milton fez disso canção, que a gente faça disso imagem.
Que seja possível, para quem lê isso, perceber que fotografar é também um ato de amor.
Que quem cuida hoje, guarda mais que fotografias: guarda presença, história e resiliência.
Com carinho,
Andréa Leal