Infância triplamente violada

Há poucos dias atrás acompanhamos, estarrecidos, a notícia de que uma criança de apenas 10 anos de idade vinha sendo estuprada pelo próprio tio desde os 6 anos de vida. O resultado desse crime hediondo cometido por quatro anos ininterruptos foi a gravidez em uma menina cujo corpo não tem capacidade de gestar. A violência que sofreu durante quase metade da sua vida, além das consequências psicológicas, poderia trazer um desfecho trágico, diante do alto risco de morte caso a gravidez fosse levada a diante.

Saber que no mundo uma criança sofre ou sofreu algo parecido é uma dor dilacerante. Dói saber que uma criança não teve seus direitos respeitados, dói saber que a família, o Estado, a sociedade não a protegeram, como era seu dever.

Perante a lei, somos todos culpados. A nossa Constituição diz: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Saber que falhamos todos em relação a esta criança e a tantas outras vitimizadas pelo mesmo crime é avassalador. Mas, como se não bastasse tamanha falha, pessoas que deveriam se esforçar para reparar tantos danos, para acolher, para cuidar, se juntam ao estuprador e cometem mais crimes e abusos contra uma menina indefesa. E mais de uma vez.

Foi assim quando essa criança teve atendimento negado em uma unidade de saúde de seu estado natal para a realização do aborto legal. Um procedimento duplamente amparado pela lei. Primeiro porque se tratava de uma gestação fruto de estupro e segundo, pelo risco de morte da mãe.

Abusada, agredida, desamparada por profissionais de saúde que juraram defender a vida, essa menina viaja mais de 1.500 km na esperança de ser atendida com a dignidade que merece. Mas, acontece mais um crime. Na porta da nova unidade de saúde, parlamentares, religiosos, fundamentalistas se aglomeram em plena epidemia para alastrar não se sabe se o vírus da COVID-19, mas com certeza o vírus do ódio, ainda mais mortal.  Aos gritos, xingavam uma criança inocente de assassina, apontando o inferno como seu destino, assim como o dos médicos que lutavam por sua vida.

É inimaginável perceber que estas pessoas fecharam os olhos para um crime de estupro de vulnerável e preferiram apontar o dedo em riste para a vítima que tentava apenas sobreviver, apesar de tantas sequelas emocionais. O crime cometido por pessoas que se dizem defensoras da vida, da igreja, de Deus, choca tanto quanto a própria violência sexual e merece reparação.

A esta criança, minha total solidariedade e meu perdão por esta sociedade hipócrita e violenta. Aos profissionais de saúde que a acolheram aqui em Pernambuco, meu apoio e minha gratidão.

A todos os criminosos envolvidos, a lei. E vale lembrar:

Art. 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Art. 5º do ECA: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Um abraço,

Andréa Leal.

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Eu sou Andréa Leal, e sempre achei importante que a minha fotografia falasse por mim.

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